quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Saresp e a educação para o adestramento

O Saresp e a educação para o adestramento


No dia 16 de agosto, segunda-feira última, todas as escolas estaduais paulistas paralisaram as suas atividades regulares para se dedicarem à preparação da prova Saresp. A principal pauta das reuniões relacionou-se a como atingir as metas. Segundo a política educacional vigente, a da educação meritocrática, os índices estatísticos são o parâmetro da qualidade da educação.
De acordo com o discurso oficial, o objetivo do dia foi organizar as escolas a fim de melhorarem a qualidade do ensino. Nada mais falso. As escolas foram induzidas a motivar e a treinar os alunos para a prova, a partir de um sem-fim de videoconferências e de análises de dados estatísticos. Muito pouco, ou quase nada, foi discutido sobre como fazer os alunos a aprender mais e melhor. A questão era: aumentar o IDESP.
Os encaminhamentos de diversas reuniões confirmam isso. Muitas escolas se organizaram para ações como: o estabelecimento de uma rotina de provas de múltipla escolha e, até mesmo, de simulados de Saresp a fim de acostumar os alunos a esse tipo de exame; a realização de reuniões com os pais de alunos para convencê-los da “importância” do Saresp; a oferta de premiações das mais variadas aos que fizerem a prova, desde pontos extras no bimestre até à sedução gastronômica de lanches especiais no dia do Saresp! Para não dizer das sugestões de fraude, como a de selecionar os melhores alunos para fazer a prova.
Ainda que uma parcela diminuta do professorado tenha aderido ideologicamente à meritocracia, a grande maioria dos professores sabe que não é a qualidade de ensino que está em questão nessa política. Enquanto não forem resolvidos problemas estruturais como a inexistência de infra-estrutura adequada, o número insuficiente de profissionais, as precárias condições de trabalho, os péssimos salários, não haverá melhoria real na educação.
O que explica as escolas se mobilizarem para o Saresp é o fato dos índices serem o critério da bonificação. É uma adesão comprada, que ganha força na medida em que o arrocho salarial cresce ano a ano. O mesmo mecanismo também está presente na promoção por mérito.
Outro fator que empurra as escolas ao Saresp é a coordenação pedagógica ter de cumprir a função de representação da política oficial nas escolas. Os coordenadores que não se submetem vivem sob a constante ameaça de ter a sua designação cessada.
Enquanto algumas empresas - que se dizem escolas - existem exclusivamente para o vestibular, as escolas públicas estão sendo transformadas em cursinhos preparatórios para o Saresp. Para essas empresas a busca de metas - a quantidade de aprovados nos vestibulares - é determinante para a realização de lucros para seus donos. Como a escola pública não gera lucros (ainda não) a implementação de uma política de metas cumpre outros objetivos.
Um deles é a geração de índices que possam ser usados como propaganda política e eleitoral dos governantes. O objetivo mais perverso, no entanto, é o adestramento dos alunos para o cumprimento de tarefas. Esse adestramento é parte fundamental de uma educação que visa fazer dos alunos pessoas que aceitem a ordem vigente, a da dominação de poucos sobre muitos. É uma educação burocrática e desumanizadora que retira o sentido da docência transformando professores em treinadores para exames e afasta a escola pública do seu papel de formar alunos numa perspectiva crítica, cidadã e libertadora.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Entendo que um governo utilize (até) a educação como mecanismo para a manutenção da ordem vigente. O que NÃO ENTENDO, de maneira alguma, é como uma parcela de "profissionais da educação" se vende de forma tão barata e torna-se conivente com essa política.
    "O Saresp e a educação para o adestramento", nos apresenta outra oportunidade para pensarmos na escola que estamos constituindo. E, quem sabe até, partindo dessas reflexões, possamos tomar folego para realizarmos ações que apontem para a construção de uma educação "crítica, cidadã e libertadora"!

    ResponderExcluir